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Os Oito Odiados (2015), de Quentin Tarantino (Review)

  • Foto do escritor: Ricardo Orsini
    Ricardo Orsini
  • 15 de jun.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 21 de jun.

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Os Oito Odiados começa nos enganando sobre que tipo de western vamos assistir.

Com planos gerais mostrando a vastidão imponente do Wyoming e cenas externas de carruagem, o filme sugere que a liberdade e a grandiosidade do faroeste, que Tarantino tanto gosta de homenagear, darão a tônica do filme.

O filme é registrado no formato Ultra Panavision 70mm, e isso reforça esse tom grandiloquente. No entanto, após algumas cenas externas sem muito impacto visual, somos arremessados para dentro de um palco pequeno e fechado. 

Quase a totalidade do filme se passa no armazém de Minnie, que constrói um microcosmo para Tarantino discorrer sobre o surgimento da nação americana, forjada em racismo, traição e mentiras.

Focado na ambiguidade moral dos personagens, o filme lembra o teatro de Bertolt Brecht. De forma similar ao teatrólogo alemão, Tarantino desmonta a linearidade da narrativa para mostrar diferentes perspectivas morais dos personagens.

A certa altura, o filme, dividido em capítulos, volta no tempo e apresenta todo um episódio de uma perspectiva diferente, relativizando a moral de certos personagens.

Há também uma mal disfarçada homenagem a The Thing, de John Carpenter, protagonizada pelo mesmo Kurt Russell, replicando a claustrofobia do inverno extremo e a paranoia que nasce desse isolamento.

No cerne da trama está o racismo estrutural, temática moral tratada por uma camada de humor sádico. 

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O filme se propõe a dissecar como o racismo molda as relações sociais nos Estados Unidos, desde as origens da nação. Pode ser visto como uma espécie de Nascimento de uma Nação, de D.W. Griffith, invertido.

A moralidade em Os Oito Odiados é profundamente cínica, pois Tarantino desconstrói a linha entre justiça e vingança, tornando-as praticamente indistinguíveis. 

Os personagens agem movidos por interesses pessoais e ressentimentos, enquanto o conceito de justiça torna-se um jogo de poder arbitrário e recheado por brutalidade e violência. 

Em Os Oito Odiados, Tarantino elimina qualquer espaço para redenção ou heróis puros. Todos os personagens carregam suas falhas, segredos e motivações dúbias, navegando em um mundo onde a moral é turva e ninguém escapa da mancha da violência ou da culpa. 

Essa ausência de figuras heroicas absolutas reforça o clima de desconfiança e pessimismo que permeia o filme, subvertendo a tradicional mitologia do western.

O próprio Tarantino aparece no filme como um narrador distanciado, observando com ironia e cinismo os conflitos que coloca em cena. Essa postura de mestre de cerimônias reforça o caráter artificial da narrativa, criando um distanciamento entre o espectador e a violência retratada. 

Ao brincar com as expectativas do público, o diretor mostra-se consciente das contradições morais e das provocações que seu filme gera, mas não se  compromete com as ações dos personagens.

Há, portanto, uma opção controversa em utilizar a ironia e o cinismo como uma ferramenta para expor as complexidades da moralidade e da violência no Velho Oeste, microcosmo da nação norte-americana. 

Ao recusar simplificações e heróis redentores, o western desafia o espectador a encarar um universo onde a moral é fragmentada entre personagens falhos, refletindo a complexidade de uma nação em formação.

A opção de Tarantino, ao propor uma narrativa fundacional, é a de se filiar à  brutalidade, violência, racismo, mentiras e traição.

Essa escolha reforça o caráter provocador do filme, deixando uma sensação inquietante de que estamos diante de uma farsa cruel, cuidadosamente construída para questionar os mitos fundadores da América e a própria noção de justiça.

FICHA TÉCNICA

The Hateful Eight (Os Oito Odiados), 2015, EUA. Direção: Quentin Tarantino. Roteiro: Quentin Tarantino. Diretor de Fotografia: Robert Richardson. Elenco: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Walton Goggins, Demián Bichir, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern, Channing Tatum. Produtora(s): The Weinstein Company, Double Feature Films. Duração: 182 minutos (versão theatrical) / 187 minutos (versão roadshow). Idioma original: Inglês. Principais prêmios e indicações: Oscar de Melhor Trilha Sonora Original, Globo de Ouro de Melhor Trilha Sonora Original, BAFTA de Melhor Trilha Sonora Original.

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