Homem com H (2025), de Esmir Filho (Review)
- Ricardo Orsini
- 25 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 25 de jun.

Em Homem com H, Esmir Filho nos convida a uma jornada íntima e pulsante pelo universo musical e pessoal de Ney Matogrosso, figura icônica e transgressora da cultura brasileira. O filme é uma cinebiografia que, embora em alguma medida dialogue com os moldes de muitas produções recentes, realiza um mergulho diferente, mais profundo e intenso na alma de um artista que fez da sua própria existência um ato de performance e questionamento.
Jesuíta Barbosa, no papel de Ney, não se limita a imitar os seus trejeitos, mas sim a reinventar e compor a sua intensidade, a sua sexualidade desafiadora e a sua ousadia provocativa. É um trabalho de corpo e alma que, com sua expressividade física notável, captura a essência do artista sem cair na caricatura ou na cópia detalhista, reconstruindo um Ney crível e, ao mesmo tempo, surpreendente.
No entanto, essa entrega visceral, particularmente no aspecto corporal, por vezes encontra um contraponto em certas cenas mais contidas e dialogadas. Em momentos com diálogos mais funcionais, que visam dar sequência à narrativa - como aqueles com o seu primeiro amor, o soldado da época de serviço militar, ou com o seu companheiro médico -, essa intensidade de Jesuíta pode desequilibrar ligeiramente o tom, expondo uma dissonância entre a força performática e a naturalidade de certas interações.
Ainda que num formato episódico, é interessante como Esmir Filho consegue construir uma proximidade visceral entre as personagens. O êxtase é quase onipresente em muitas cenas, as relações se tornam palpáveis, à beira de um abraço louco, de um amor irrestrito. Uma química inegável permeia cada cena, tornando o espectador cúmplice daquele universo de afetos e tensões.
A estrutura episódica, apesar de funcional, acaba prejudicando um pouco o ritmo do filme, que tenta cobrir um período extenso e multifacetado: momentos cruciais da história brasileira, a vida e trajetória de Ney e o vibrante cenário artístico dos anos 70 e 80. Essa abordagem resulta em um ritmo irregular, com o filme dedicando tempo e sensibilidade a certas passagens, mas tratando outras de forma superficial, como o enfrentamento à censura militar e o perdão tácito dado ao pai no final de sua vida.

A estrutura narrativa de Homem com H é episódica, fluindo como fragmentos de memória e autodescoberta, assim como em várias outras cinebiografias mais recentes. Não há um motivo único que amarre a trama no sentido tradicional. Mas há um elemento narrativo que está presente no filme como um todo: a constante exploração da construção da identidade de Ney - não apenas a sexual, mas principalmente a existencial.
Outro elemento permanente é a complexa e muitas vezes conflituosa relação com a figura paterna. O pai surge como um antagonista simbólico, um representante do conservadorismo e das amarras sociais da sociedade brasileira que Ney, com sua arte e sua vida, viria a desconstruir. É um embate geracional e ideológico que reverbera na história do Brasil, ilustrando a luta por liberdade e autenticidade contra as forças da repressão, mas que se resolve de forma íntima e delicada com o perdão ao pai.
Embora visite temas da política, da ditadura e da efervescência cultural de diferentes épocas, o filme se recusa a ser resumido a um documentário ou a um mero registro histórico. Ele é, acima de tudo, uma obra que pulsa vida, que questiona normas e que celebra a coragem de ser quem se é, em sua plenitude e contradições.
Homem com H é uma meditação sensorial sobre a arte como libertação e a vida como espetáculo, permeada por uma sensibilidade que dialoga com o público de forma profunda e tocante.
FICHA TÉCNICA
Homem com H, 2025, Brasil. Direção: Esmir Filho. Roteiro: Esmir Filho. Diretor de Fotografia: Azul Serra. Música: Supervisão Musical e Música Original por Amabis. Elenco principal: Jesuíta Barbosa, Bruno Montaleone, Jullio Reis, Hermila Guedes, Rômulo Braga, Carol Abras, Lara Tremouroux, Mauro Soares. Produtoras: Paris Entretenimento, Paris Filmes. Duração: 129 minutos. Idioma original: Português.




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