O Farol (2019), de Robert Eggers (Review)
- Ricardo Orsini
- há 5 dias
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O Farol, segundo longa de Robert Eggers, é um filme ambientado no final do século XIX. A trama acompanha dois homens, o novato Ephraim Winslow (Robert Pattinson) e o veterano Thomas Wake (Willem Dafoe), que chegam a uma remota e inóspita ilha da Nova Inglaterra para cuidar de um farol por quatro semanas.
Confinados pelo ambiente hostil e pelo isolamento extremo, a relação entre os dois se deteriora rapidamente, dando lugar a um jogo de poder, desconfiança e alucinações que testa os limites da razão de ambos.
A fotografia do filme desempenha papel fundamental.
A fotografia de Jarin Blaschke, em preto e branco, não só constrói a atmosfera do filme, mas constrói as bases para uma narrativa sobre alienação, loucura e perda de identidade.
O formato do filme, na proporção de quadro de 1.19:1, quase quadrado, comprime o espaço e acentua a sensação de claustrofobia.
Numa aproximação com o expressionismo alemão, o filme utiliza composições incompletas e distorcidas, mostrando a casa ao lado do farol apenas parcialmente e em ângulos, dando a impressão de um ambiente que não pode ser totalmente apreendido ou compreendido porque não pode ser completamente visualizado.
Nas tomadas internas, Winslow é constantemente enquadrado através de frestas e vãos, como se estivesse sendo vigiado, o que alimenta a sua crescente paranoia.
Visualmente, o filme alterna entre duas abordagens que reforçam seu aspecto sombrio. Nos ambientes internos, prevalece um claro-escuro de alto contraste que esculpe os rostos e os objetos em sombras densas, refletindo o tumulto interior dos personagens.
Em cenas externas, a imagem se torna difusa e esfumaçada pela névoa, apagando os limites da realidade.
A clareza só é alcançada em closes extremos nos rostos de Winslow e Wake, momentos em que a emoção crua e raivosa dos dois se torna a única certeza.
À medida que a sanidade de Winslow vai se deteriorando, ele passa a ser iluminado pelas sombras cíclicas projetadas pela luz do farol, uma espécie de representação visual de sua identidade se fragmentando.
Embora o isolamento da ilha seja apontado pelo próprio Wake como um risco de enlouquecimento, o verdadeiro catalisador para o colapso de Winslow é a dinâmica psicológica de ambos.
Wake assume a postura de uma figura paterna autoritária e decadente, que utiliza a manipulação, a mentira e a repressão para exercer controle sobre Winslow. Seus monólogos, repletos de linguagem arcaica e superstições marítimas, funcionam como provocações que minam a identidade e exploram a culpa que Winslow carrega de seu passado.
É fantástico que num ambiente tão opressivo, hostil e sombrio, é o confronto verbal e psicológico que provoca o caos enlouquecedor.
Para este clima de insanidade, contribui muito a entrega física e visceral dos dois atores.

Willem Dafoe encarna a loucura como uma força externa e opressora. Sua fisicalidade é grotesca. Com sua atuação teatral e uma voz que alterna o grave autoritário e o sussurro manipulador, ele demarca um contraste direto com Robert Pattinson.
Já Winslow constrói sua insanidade a partir de dentro, do silêncio para uma irrupção violenta e libertadora, num caminho que o conduz invariavelmente à loucura.
Um elemento que não pode ser ignorado no filme é sua simbologia.
A narrativa claramente se alinha com o mito de Prometeu, sugerindo que a loucura de Winslow não é uma decadência, por mais que ele esteja num ambiente sombrio, fétido e em meio a toda a sujeira de Wake.
Ele quer transcender tudo isso, busca a ascensão. As cenas da escada em espiral (ascendente e cíclica) indicam sua busca por algum tipo de iluminação espiritual, por um conhecimento proibido guardado no topo da torre.
A simbologia de Prometeu, que roubou o fogo dos deuses, é bastante clara: Wake é o guardião tirânico da luz, e Winslow é o mortal que ousa desafiá-lo para tomar posse desse poder.
O filme termina com a morte de Winslow, sob o olhar atento das gaivotas (guardiãs das almas perdidas, como aludido por Wake). Não temos uma punição, mas uma consumação. Ao tocar a luz, ele encontra, na libertação brutal, a fusão com a própria mitologia do farol.
Com um roteiro muito apurado, excelentes atuações e uma cinematografia tecnicamente apurada, Robert Eggers propõe uma fusão impecável de mito, terror psicológico e experiência cinematográfica, fazendo de O Farol um filme essencial e profundamente perturbador.
Ficha Técnica
The Lighthouse (O Farol), 2019, EUA/Canadá. Direção: Robert Eggers. Roteiro: Robert Eggers, Max Eggers. Diretor de Fotografia: Jarin Blaschke. Música: Mark Korven. Elenco: Willem Dafoe, Robert Pattinson, Valeriia Karaman. Produtora(s): A24, New Regency Pictures, RT Features. Duração: 109 minutos. Idioma original: Inglês. Principais prêmios e indicações: Indicado ao Oscar de Melhor Fotografia; vencedor do Prêmio FIPRESCI na Quinzena dos Realizadores em Cannes; Willem Dafoe venceu o Independent Spirit Award de Melhor Ator Coadjuvante.
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